Atraso político e repressão policial em Governador Valadares, um relato

Por Márcio Ribeiro da Silva
Atraso político e repressão policial em Governador Valadares
 Governador Valadares, uma princesa no vale do atraso
Há muito tempo tenho pensado sobre a história e o desenvolvimento, econômico e cultural de Valadares. Um acontecimento de fevereiro de 2012 me serviu de mote para toda uma reflexão acerca de como uma cidade que tinha tudo para dar certo, é hoje um exemplo irretocável de atraso, na acepção da palavra.
Num domingo, 5 de fevereiro de 2012, policiais foram acusados de um crime brutal, que vitimou 6 jovens. Dois morreram. Menores. Se olharmos a história da cidade fica clara a inclinação repressora, autoritária e conservadora de sua elite, influenciada desde os primórdios pela instalação da Divisão Militar do Rio Doce, em 1808,  uma das 6 do estado  para conter os índios botocudos, naturais donos da terra.
Mais recentemente, na era da exploração de madeira e mica na região, a pistolagem ganha destaque sob o lema "É mais fácil comprar terras de uma viúva apavorada do que dos legítimos proprietários". Cá com meus botões reafirmo minha convicção favorável à reforma agrária, visto que o latifúndio no Brasil foi comprado à bala. Mas isso é outra história.
Nesse momento da história da cidade e região, vem à tona a figura repressora e mitificada de Pedro Ferreira, o Capitão Pedro. Típico militar truculento que resolvia quase tudo no bico do revólver e, por força de uma sociedade conservadora e atrasada, é considerado ainda hoje um exemplo a ser seguido no meio militar. Junto com o Coronel Altino Machado, caçava comunistas e levava a cabo com maestria o papel de capitão do mato do estado.  Essa escola, portanto, é antiga.
Um pouquinho mais adiante, década de 80, surge outro "herói" para nossa Princesa do Vale: Paulo Orlando de Matos, o Paulinho Maloca. Justiceiro à moda "Stalone Cobra", dizimou com alguns comparsas a não menos famosa turma do WW, marginais pobres que movimentavam o tráfico de drogas na cidade. Publicou um auto-elogio: "Detetive Paulo Maloca, só os fortes sobrevivem". O livro (sic) foi praticamente comemorado pela sociedade valadarense.
Na época de Maloca a  cidade vivia seu auge imigratório para os Estados Unidos, expulsando seus jovens pela falta de oportunidade, resultado da omissão da classe política dominante no que tange à atração de investimentos. Até hoje a cidade ainda sobrevive às custas desses imigrantes que alimentam o comércio, num círculo vicioso perverso onde empresários historicamente ligados à elite política pagam baixos salários, gerando insatisfação que gera imigração, quase sempre ilegal.
A vizinha Ipatinga "nadava de braçada" e hoje em dia vemos a situação de uma e de outra. Valadares, politicamente, sempre esteve à sombra do conservadorismo, tendo papel político relevante, ora vejam só, no golpe de 64. Como uma das mais importantes cidades do Estado à época, foi peça chave, assim como Juiz de Fora, no apoio à irracionalidade de Magalhães Pinto.
Valadares galgou sua história trilhando o caminho mais fácil, o da bajulação às elites, da servidão. Militares e fazendeiros ora dizimando posseiros, dispersando reformas necessárias como a agrária, ora policiais executando pequenos marginais, em tribunais decididos à boca pequena, nas milícias.
Colocando uma lupa no assunto, vemos em Valadares uma síntese fidedigna do que é o Brasil: parece grande, desenvolvida, democrática, mas não passa de um rincão medíocre influenciado por uma elite odiosa. Ornando a peça, uma imprensa tendenciosa, na pele do Diário do Rio Doce, e seu editor-chefe Antor Santana. Um conservador com pedigree, bajulador dos anos de chumbo. É tão parcial e provinciano que até o Clube Atlético Mineiro é preterido em suas páginas. Seus colunistas destilam o mais comezinho ódio de classes, enaltecendo sempre que podem, e mesmo sem cenário para tal, a agenda conservadora.
Mas a cereja do bolo são os programas policialescos rasteiros. Valadares nos brinda Ricardo Assunção e afins. Apresentava (ou apresenta) o Balanço Geral, programa feito sob medida para os reacionários de plantão. Sob a égide de uma moral oportunista e apodrecida, esses pseudo-jornalistas, em escandalosa parceria com agentes policiais, disseminam intolerância numa população desprovida de informação e educação adequadas.
Apelam a todo momento aos mais vis e primitivos sentimentos humanos, incentivando o ódio e o linchamento, sempre contra pessoas menos favorecidas. Se travestem de um bom mocismo que no fundo almeja a barbárie e a vingança, como única forma de resolver as mazelas da sociedade. A lambeção de botas é de fazer corar  Carlos Lacerda.
Como não podia deixar de ser em uma cidade de costumes políticos retrógrados, a exemplo de Paulo Maloca  noutra época, Ricardo Assunção também "logrou êxito" na carreira política. É vereador da cidade. 
Dito isso e voltando à tragédia que motivou meu comentário, é salutar reafirmar que vivenciamos em nossa cidade, assim como no Brasil, um clima de instauração de um estado policial. Dois militares, Kevem Messias Costa e Silas Soares Pereira, e um civil, Wesley Pereira fuzilaram o carro das vítimas com 20 tiros, matando dois menores.
Foram absolvidos. Por motivo de força maior não pude acompanhar os julgamentos à  época, mas agora busquei pelo caso e a não-surpresa: absolvição. E o mais chocante é  que Kevem foi levado a júri popular, ou seja, pessoas comuns absolveram o militar.
Vejamos: valadarenses elegeram anos atrás Paulo Maloca, agora elegeram Ricardo Assunção. Absolveram militares de um crime bárbaro e então pergunto: que tipo de sociedade os velhos grupos políticos de Valadares criaram?
Esse crime que vitimou  Otavio Garcia de Oliveira e Wesley Oliveira dos Santos, assim como outros, como o do homem espancado e morto no hospital municipal por militares em 2009, deixa claro a política do porrete exercida pela polícia de minas, tida pelos conservadores como uma das melhores do país, justamente pelo motivo errado: a truculência. E não apenas a truculência que mata, pois essa é mais suscetível a críticas de pessoas sérias e preocupadas com os direitos humanos. Existe a truculência habitual, rotineira, que passa incólume ao crivo seletivo de uma imprensa vendida.
Um sobrinho meu foi covardemente  agredido por militares numa abordagem, minha mãe foi humilhada numa delegacia. Eu já fui psicologicamente agredido numa abordagem policial, onde o militar dizia: "qualquer movimento seu e você vai ver o que acontece", mostrando sua arma. É um constante clima de guerra, o terror como viga mestra. Sempre a dicotomia do bem e do mal , o maniqueísmo dos bons contra os maus, onde sempre os bons são a policia, a corporação e os maus são supostos marginais, sempre das classes mais baixas, em grande maioria negros.  
Kevem, Silas e Wesley, repetiram hoje uma prática comum no estado brasileiro: a pistolagem, a morte como sentença redentora. Encarnam os assassinos de Chico Mendes, a tragédia de Eldorado dos Carajás, Candelária, Vladimir Herzog e tantos outros, milhares de casos Brasil afora.
Esse Brasil causa medo. Num  país onde a democracia ainda é tão frágil, uma polícia tão despreparada se torna alvo fácil da agenda conservadora. O problema é que os militares, ao encarnarem o capitão Nascimento, querem ser mais realistas que o rei, e agem por convicção. Se auto-proclamam redentores da lei e da ordem e com isso perpetuam os crimes de um estado viciado no autoritarismo, sobretudo contra pobres.
Corroborando com essa imagem, um dos PMs do caso citado, em sua página pessoal do facebook, usa sempre a frase: "se você quer paz, se prepare para guerra", empunhando um fuzil.
Esse Brasil, em especial essa Valadares, que seguramente está muito mais atrasada que o restante do país em termos de desenvolvimento, é que me causa vergonha. Não é a copa, ou o governo que me causa constrangimento. O que me espanta é um país que ainda absolve militares de um crime tão bárbaro, mesmo com todas as evidências. E  pessoas , que no facebook parecem tão conscientes e politizadas, simplesmente não se revoltam com esse absurdo.  Gritam por educação, mas querem menores na cadeia. Caminham rumo a barbárie como bois ao matadouro, sem saber que apoiando açõees brutais da PM estão autorizando inconscientemente o aparecimento de grupos de extermínio.
Esse caso dos meninos mortos merecia revolta consciente e política nas redes sociais. Essa absolvição  e tantas outras são um acinte à democracia. Infelizmente, esses policiais não estão sozinhos.
A ONU já mencionou inclusive a extinção da policia militar no Brasil. A desmilitarização das policias é outro tema muito debatido, haja vista as arbitrariedades cometidas pelo Estado na pele de seus militares. 
Eu, que sou um informal, porém ferrenho defensor dos direitos humanos, luto pela conscientização de que a polícia exista para ajudar, proteger. A polícia representa o aparelho repressivo do Estado que tem sua atuação pautada no uso da violência legítima. É essa a característica principal que distingue o policial do marginal.
Mas essa violência  legítima está ancorada no modelo de “ordem sob a lei”, ou seja, a polícia tem a função de manter a ordem, prevenindo e reprimindo crimes, mas tem que atuar sob a lei, dentro dos padrões de respeito aos direitos fundamentais do cidadão - como direito a vida e a integridade física.
Mas na prática todos sabem como acontece. Meus tardios porém sinceros sentimentos à família das vítimas. Infelizmente são agora números frios que engrossam as estatísticas da polícia que mais mata no mundo. E sobre a questão que vi em alguns comentários na internet, da possibilidade de as vítimas terem  algum envolvimento com drogas, apelo ao código penal que, graças a Deus, não autoriza a pena de morte, muito embora essa seja empregada em larga escala por esses "tribunais de exceção". Para crimes, se existirem, há leis. Para injustiças, há direitos humanos. É nisso que acredito!
Marcio Ribeiro da Silva
fontes: revista brasileira de historia (Maria Eliza Linhares Borges, prof.UFMG); A saga dos irmaos leite- historia da policia operacional investigativa; Diario do Rio Doce.



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